Marcelo Rubens Paiva entrega em Ainda Estou Aqui uma narrativa profundamente humana que transcende a biografia tradicional, unindo história, memória e um mergulho íntimo na dor e na resiliência de sua família. O autor parte da história de seu pai, Rubens Paiva, ex-deputado sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar em 1971, para explorar as consequências desse trauma.
A obra vai além da denúncia política, transformando-se em um tributo à sua mãe, Eunice Paiva, uma mulher que transformou o luto em luta, tornando-se advogada e defensora de direitos humanos.
A estrutura não linear da narrativa é um dos aspectos mais marcantes. Marcelo alterna entre memórias de infância, reflexões adultas e relatos históricos, criando uma experiência de leitura que reflete a complexidade e a fragmentação da memória. Essa escolha narrativa é simbólica, mostrando como a memória não segue uma ordem cronológica, mas é moldada pela dor, pelo esquecimento e pelos momentos de lucidez.
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Crítica | Ainda Estou Aqui (Filme)
Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, é mais do que um filme sobre a ditadura militar brasileira. É um retrato íntimo e devastador de uma família atravessada pela violência do regime e, ao mesmo tempo, um lembrete da importância da memória coletiva.
Eunice Paiva: a força transformadora no centro do livro
Eunice emerge como a verdadeira protagonista. Após o desaparecimento de Rubens, ela precisou reconstruir sua vida enquanto criava cinco filhos e enfrentava os desafios de um sistema que silenciava vítimas e glorificava os opressores.
A luta de Eunice por justiça vai desde a busca pelo reconhecimento oficial da morte de Rubens até seu trabalho em causas indígenas e de direitos humanos. O diagnóstico de Alzheimer, que progressivamente a afasta de suas memórias, adiciona uma camada de melancolia e reflexão sobre a perda da identidade através do tempo.
Um testemunho pessoal e histórico
O livro também é uma reconstrução histórica, iluminando os horrores da ditadura militar. Marcelo aborda não só o caso de sua família, mas também a impunidade persistente e o impacto do regime em milhares de outras vidas. Relatos de tortura, desaparecimentos e mentiras criadas pelos militares ganham destaque, sempre contrastados com o esforço de Eunice para resistir e proteger seus filhos.
A relação entre memória e esquecimento é central à narrativa. A ausência de Rubens é retratada como um vazio constante, enquanto o diagnóstico de Alzheimer de Eunice simboliza uma nova forma de perda. Há momentos profundamente simbólicos, como quando Eunice reconhece o marido em uma reportagem televisiva sobre a Comissão Nacional da Verdade, em um instante de lucidez que conecta passado e presente.
Apesar do caráter pessoal, Ainda Estou Aqui não deixa de ser uma obra política. Em tempos de revisionismo histórico e apologia à ditadura, a leitura é um lembrete urgente de que a memória é um ato de resistência. O relato de Marcelo Rubens Paiva não oferece resolução, mas reforça a importância de lembrar para evitar que os erros do passado se repitam.
O livro emociona e provoca, conduzindo o leitor por um labirinto de dor, amor e luta.
Mais do que uma biografia, é uma reflexão sobre o impacto das ausências, o peso das memórias e o poder do legado familiar. Ainda Estou Aqui é um testemunho essencial, tão humano quanto histórico, que reverbera a mensagem: nunca esquecer, para que nunca mais aconteça.
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