Após cinco anos do lançamento de Ghosteen (2019), Nick Cave & The Bad Seeds retornam com Wild God (2024), um álbum que se equilibra entre a fé e a dúvida, explorando questões existenciais em meio a camadas de arranjos orquestrais, sintetizadores e vozes poderosas. É um projeto grandioso, que remonta à carga espiritual de obras como The Good Son (1990), mas com um tom renovado, mais otimista e, segundo o próprio Cave, "profundamente e alegremente contagiante".
Wild God surge como o 18º álbum da carreira de Nick Cave ao lado de sua banda, e reflete o estado de espírito atual do grupo. O disco, co-produzido por Warren Ellis e mixado por Dave Fridmann, destaca-se por uma estética musical essencialmente orgânica, sem economizar nos detalhes. Influências do gospel são evidentes, criando uma experiência espiritual e quase religiosa ao longo das faixas. Com participações marcantes, como Colin Greenwood (Radiohead), o álbum se destaca também pelo contraste entre momentos mais imediatos e explosivos, como em "Frogs", e composições mais introspectivas e reveladoras, como "Final Rescue Attempt".
O álbum se inicia com a poderosa "Song of the Lake", uma faixa que já entrega a grandiosidade do projeto com arranjos exuberantes e letras carregadas de significados profundos, algo comparável ao clima musical de Radiohead e The Smile. A música evoca uma verdade impactante, tanto na letra quanto na interpretação de Cave, estabelecendo o tom para o restante do álbum. Este tom continua em "Wild God", a faixa-título que mistura influências de Bob Dylan e do Bowie de Space Oddity, ao narrar um Deus mais humano, em busca de uma conexão.
Enquanto outros discos de Cave, como Skeleton Tree (2016) e Ghosteen (2019), foram diretamente marcados por tragédias pessoais, Wild God parece representar um esforço consciente para encontrar beleza e esperança mesmo em meio à dor. A balada "O Wow O Wow (How Wonderful She Is)", dedicada à cantora Anita Lane, se destaca por trazer uma gravação de voz de Lane, transformando a música em um tributo emocionante e íntimo. Em contraste, faixas como "Joy" e "Cinnamon Horses" exploram a tristeza com uma franqueza tocante, enquanto "Long Dark Night" mergulha em reflexões sobre a fé, adaptando o poema A Noite Escura da Alma, de São João da Cruz, e expandindo ainda mais a profundidade lírica do álbum.
Particularmente, minha faixa favorita é “Conversion”, a construção do ritmo, a explosão dos instrumentos com o coral, é uma apoteose. É aquela canção que te convida a pular, gritar, exorcizar todos os seus pecados, ao fim, você se sente perdoado, livre de pecados e pronto para recomeçar a vida.
No entanto, apesar da beleza inegável, algumas das estruturas musicais e temas se tornam repetitivos ao longo do álbum, criando uma sensação de familiaridade e, às vezes, de estagnação. Elementos já apresentados em Carnage (2021), projeto colaborativo de Cave com Ellis, voltam a aparecer em Wild God, o que pode diminuir a sensação de novidade. Ainda assim, o álbum é uma obra repleta de momentos de pura transcendência, com faixas que não só emocionam, mas também desafiam o ouvinte a refletir sobre a vida, a fé e o amor.
Wild God é mais um capítulo fascinante na discografia de Nick Cave & The Bad Seeds, que consolida a capacidade do artista de transformar suas tragédias pessoais em obras de arte complexas e catárticas. Mesmo com suas repetições e familiaridades, o álbum permanece como uma das experiências musicais mais impactantes de 2024, reforçando a habilidade de Cave de explorar a condição humana de maneira profundamente tocante e inesquecível.
Nick Cave: Piedade de mim por Reinhard Kleist
E, fica como indicação a biografia em quadrinhos realizada pelo quadrinista alemão Reinhard Kleis, publicada aqui pela Editora Hipotética.
Em breve farei uma resenha sobre o livro (preciso relê-lo).
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Fé, Esperança e Carnificina, por Nick Cave e Seán O'hagan
O jornalista Seán O'hagan entrevistou Nick Cave por mais de 40 horas, abordando as diversas facetas do artista australiano. Por meio de diversas análises da sua infância, trabalho e os últimos acontecimentos em sua vida, Fé, Esperança e Carnificina oferece uma visão única de um artista criativamente único.
Lançamento da Editora Terreno Estranho.
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